17/09/2019 12:40

APCEF/RJ entrevista com exclusividade Rita Serrano

undefined

Acesse as redes da Apcef/RJ:

ritaAAA.jpg

Rita Serrano, representante dos empregados no Conselho de Administração da Caixa (CA) e coordenadora do Comitê Nacional em Defesa das Empresas Públicas, conversou com a APCEF/RJ durante entrevista exclusiva, onde fez uma análise crítica sobre a atual gestão da Caixa administrada por Pedro Guimarães e as políticas privatistas do governo Bolsonaro. Confira logo abaixo.

APCEF/RJ - Na atual conjuntura política do país, qual a sua leitura sobre a possibilidade de privatização da Caixa Econômica Federal e as suas consequências principalmente no que diz respeito aos programas sociais financiados pelo banco?

Rita Serrano: A direção do banco está anunciando que irá vender ou privatizar parte da área de cartões, seguros, loterias e Asset – fundos administrados.

Se isso se concretizar, os prejuízos no médio prazo para a sustentabilidade do banco serão graves.  A política de enxugamento dos bancos públicos e da Caixa já se comprova pelos números dos últimos balanços que mostram diminuição do crédito, perda de clientes e de mercado, corte nos investimentos, aumento de juros e tarifas.

A Caixa tem quase 70% do mercado habitacional, idem no crédito agrícola com o BB, nenhum banco privado investe de fato no desenvolvimento do país.

Quem ganha com esse desmonte? As multinacionais que provavelmente comprarão as partes rentáveis. Quem perde? A população brasileira.

Nossa função como cidadãos e cidadãs, sindicatos, associações de classe e movimentos é impedir o prosseguimento da destruição do patrimônio público brasileiro que está em andamento nesse governo.

APCEF/RJ - Quais as prováveis consequências da retirada da Caixa do controle gestão dos recursos do FGTS?

Rita Serrano: A Caixa é gestora do FGTS desde 1990, antes, os recursos estavam espalhados por diversos bancos. Após a comprovação pelos órgãos fiscalizadores de irregularidades na administração dos recursos pelas instituições privadas, é que foi criada lei centralizando os depósitos na Caixa.

A Caixa deu conta do recado, informatizou os dados e hoje o trabalhador tem acesso aos depósitos e pode ele mesmo fiscalizar sua conta. O FGTS além de servir como um seguro em caso de desemprego ou aposentadoria, constitui um dos maiores fundos privados – é dos trabalhadores – de investimento público no mundo – habitação, saneamento, mobilidade e outros.

Retirar a Caixa da gestão do fundo, é o primeiro passo para privatizar o controle dos mais de R$ 500 bilhões de recursos, dessa forma favorecendo os bancos privados e a especulação financeira e prejudicando os verdadeiros donos do fundo – os trabalhadores.

APCEF/RJ - Como coordenadora do Comitê Nacional em Defesa das Empresas Públicas, qual a sua análise sobre o papel que as estatais representam para o gerenciamento da economia atual, e os riscos que a privatização das principais empresas públicas podem causar pro futuro do Brasil?

Rita Serrano: A utilização de empresas e agências públicas para prover bens e serviços à população não é particularidade do Brasil. Ao contrário, é prática generalizada e, em muitos casos, em escala maior que a observada em nosso país.

Recentemente, produzi artigo para universidade da minha região, com o título “Empresas Públicas, Mitos e Fatos” onde mostro números que provam como as estatais são fundamentais para o desenvolvimento das nações mais ricas do mundo. Alguns dados:

“Das dez maiores empresas do mundo, tendo-se como referência o valor total do ativo detido, segundo a revista Forbes, em 2018, 60% são empresas estatais, pertencentes a China, Estados Unidos e Japão (Forbes, 2018):

1 - ICBC – China; banco comercial e industrial; com ativos na ordem de US$ 4,2 trilhões;

2 - China Construction Bank – China; banco comercial: com ativos na ordem de US$ 3,6 trilhões;

3 - China Agricultural Bank – China; banco agrícola; com ativos na ordem de US$ 3,4 trilhões;

4 - Fannie Mae – Estados Unidos; atuante no mercado de hipotecas; com ativos na ordem de US$ 3,3 trilhões;

5 - Bank of China – China; banco comercial; com ativos na ordem de US$ 3,2 trilhões;

6 - Japan Post Holdings – Japão; conglomerado com atuação em setores como transportes, postal, banco comercial e seguros; com ativos na ordem de US$ 2,5 trilhões.

Tais conglomerados estatais superam, ainda segundo os dados da Forbes para ativos detidos, em 2018, gigantes de tecnologia da informação, da indústria farmacêutica ou da indústria do entretenimento: Apple, com ativos na ordem de US$ 367,5 bilhões; Facebook, com ativos na ordem de US$ 88,9 bilhões; Amazon, com ativos na ordem de US$ 126,4 bilhões; Microsoft, com ativos na ordem de US$ 245,5 bilhões; Bayer, com ativos de US$ 92,7 bilhões; e Wall Disney, com ativos de US$ 97,9 bilhões.”

Outra questão são as Reestatizações

“Desde 2000, ao menos 884 serviços foram reestatizados no mundo. A conta é do TNI (Transnational Institute), centro de estudos em democracia e sustentabilidade sediado na Holanda. As reestatizações aconteceram com destaque em países centrais do capitalismo, como EUA e Alemanha. Isso ocorreu porque as empresas privadas priorizavam o lucro e os serviços estavam caros e ruins, segundo o TNI. O TNI levantou dados entre 2000 e 2017. Foram registrados casos de serviços públicos essenciais que vão desde fornecimento de água e energia e coleta de lixo até programas habitacionais e funerárias”.

Ao pretender abrir mão do controle público de setores estratégicos, o Brasil atua em descompasso com o processo de reestatização pelo qual passam os países mais desenvolvidos, de acordo com estudos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, pode-se afirmar a luz dos dados colocados, que o Brasil está na contramão do mundo.

Muitos setores de atividade econômica, devido a suas características intrínsecas, necessitam de investimentos vultosos e de longo prazo de maturação, que pode se estender por décadas, tais como as estradas e as ferrovias. Em muitos casos, embora possam não ser de interesse para a exploração privada, são fundamentais ao desenvolvimento econômico e social de um país e, por esta razão, a sociedade decide arcar com os custos de sua realização.

A história das empresas públicas no Brasil começa em 1663, ainda no Brasil Colônia, com a fundação da empresa de Correios do Brasil e em seguida, em 1694, com a criação da CMB – Casa da Moeda do Brasil. No período do Império foram criados dois bancos, o Banco do Brasil em 1808 e a Caixa Econômica Federal, em 1861. Essas são empresas do Estado Brasileiro, não pertencem a um determinado governo, são do povo e cabe a ele definir o que quer, por sinal pesquisas de grandes institutos realizadas recentemente; Datafolha, Vox Populi e revista Veja, mostram que a grande maioria da população é contra as privatizações.

O risco do desmantelamento do património público já está sendo sentido pela população: corte nos recursos da educação, da saúde, desemprego alto, reforma da previdência, aumento nos preços dos serviços básicos, gás, água, luz; diminuição nos investimentos em habitação, agricultura, nas indústrias e outros.

Todos esses fatores levam o Brasil a perder sua soberania, sua independência, sua capacidade de gerar riqueza e melhoria de qualidade de vida para a população.

APCEF/RJ - Quais seriam, na sua opinião, as formas de resistência a esse processo de fatiamento do banco e qual o papel das entidades de representação e dos empregados da Caixa?

Rita Serrano: Penso que é importante lembrar que a história do movimento dos trabalhadores da Caixa é vitoriosa, conseguimos evitar a privatização na década de 90 e a ofensiva nos últimos anos, para tornar a Caixa S/A, e isso só foi possível graças ao compromisso dos empregados com o papel público do banco e ao fato de que somos privilegiados, temos representações muito fortes, os sindicatos de bancários, as Apcefs, a Fenae, Fenag, Agecefs, Advocef, Aneac, AudiCaixa, Associação, técnicos sociais e por aí vai...

Empregados e entidades devem ter sintonia nesse momento e definir ações em defesa da Caixa e da soberania nacional, em todo lugar, nas Câmaras municipais, assembleias legislativas, Congresso nacional, com clientes e usuários. Dialogar com todos, em especial com os que pensam diferentes é a palavra de ordem.

Se cada qual fizer a sua parte, mudamos o rumo da história, como já foi feito em outros períodos. Eu acredito e minha energia vem da crença de que podemos ter um mundo melhor, justo e fraterno para todos.

Compartilhe