21/08/2020 18:54

Caixa 100% Pública e MP 995 são temas de entrevista com vereador Reimont Otoni

undefined

Acesse as redes da Apcef/RJ:

Entrevista-Reimont.png

Reimont Otoni, de 58 anos, é professor, teólogo, bancário e vereador pelo Partido dos Trabalhadores no Rio de Janeiro. Natural de Minas Gerais, Reimont tem uma importante trajetória de luta e defesa dos direitos dos trabalhadores, assim como da democracia e do Estado Social. Ele também é presidente da Comissão Permanente de Cultura da Câmara Municipal, membro da Comissão Permanente de Direitos Humanos e preside as Comissões Especiais de Acompanhamento da Agenda 2030, de População em Situação de Rua, de Habitação e Moradia Adequada, de Comércio Ambulante e de Políticas Públicas para a Juventude. Em entrevista para a APCEF/RJ, o vereador fala sobre a MP 995 e seus efeitos na sociedade, a Caixa 100% Pública, o governo Bolsonaro e muito mais.

APCEF/RJ – A Caixa 100% pública vem sofrendo enormes ataques por parte do governo Bolsonaro. O último deles foi a edição da Medida Provisória 995/2020 cujo objetivo é o de possibilitar a privatização do Banco. Qual sua avaliação?
REIMONT – Essa tem sido uma estratégia perversa do necrogoverno Bolsonaro, que é a de esquartejar e privatizar as estatais, à margem da lei, de maneira furtiva, sem passar pelo Congresso. Assim como tem feito com a Petrobras, o governo tenta fazer agora com a Caixa, por meio desta MP, que prevê a criação de novas subsidiárias para serem colocadas à venda. É uma tentativa flagrante de burlar até mesmo a decisão cautelar do STF, de 2019, que permite a venda de subsidiárias de empresas estatais sem a autorização do Congresso, mas não abrange a criação de novas subsidiárias, como pretende a MP. Tanto que as Mesas do Senado e da Câmara dos Deputados já solicitaram ao STF que intervenha nessa farsa de criação e venda de subsidiárias. Desde 2016, a Caixa fechou mais de 13 mil empregos no país. Só no último ano foram fechadas 25 agências e 37 postos de atendimento e cortados mais de 5 mil postos de trabalho. O presidente da empresa, Pedro Guimarães, já sinalizou a abertura de capital da Caixa para outubro deste ano. Em julho, a Caixa enviou mensagem ao mercado informando que vai fazer o IPO, Oferta Pública Inicial, de áreas estratégicas, como Seguridade e Cartões. As outras subsidiárias na lista da privatização são Loterias, gestão de ativos e até o banco digital que está sendo usado para o pagamento do auxílio emergencial, que poderá ser transformado em uma nova subsidiaria e ter o capital aberto também no ano que vem, segundo Guimarães. Isso é um crime contra os bancos públicos, fundamentais para o desenvolvimento do país, especialmente neste momento da grave crise aberta pelo novo coronavírus e pela inoperância do governo. É fundamental gritar e lutar contra esse desmonte. É preciso mobilizar a sociedade e mostrar que os bancos públicos terão papel estratégico na recuperação da crise econômica e social agravada pela Covid-19.

Como relacionar manutenção da Caixa 100% pública com o papel social da empresa?
REIMONT –
Os bancos públicos são essenciais para diversos programas sociais. As Loterias da Caixa, por exemplo, destinam 38% do que arrecadam para esses programas, o que significa algo em torno de 7 bilhões de reais, por ano. São programas das áreas de educação, como o FIES, saúde, segurança pública, saneamento, cultura, seguridade social, entre outras. Só em julho deste ano, em plena pandemia, o repasse foi de quase 657 milhões de reais. A privatização das loterias será um prejuízo enorme para a população, para o país e para os estados. Outro ponto forte da Caixa é o financiamento da habitação, a juros muito menores do que os praticados pelos bancos privados. Para a gente comparar, em 2015, a Caixa totalizou mais de R$ 370 bilhões de contratos imobiliários, enquanto Itaú, Santander, Bradesco e HSBC, juntos, responderam por R$ 86 bilhões. Em 2019, o saldo da carteira de crédito imobiliário da Caixa fechou em R$ 465 bilhões. Isso mostra muito claramente a importância da Caixa para as políticas de moradia. Se privatizar, a compra da casa própria vai ficar mais cara. Enfim, ao abrir o capital de áreas estratégicas da Caixa, o governo vai comprometer tremendamente o papel social do banco. Isso é ainda mais grave neste momento de crise.

Quais medidas devem ser tomadas para impedir que a MP 995 vire lei?
REIMONT –
É preciso pressionar, pressionar e pressionar. Isso deve ser feito em muitas frentes, junto ao Congresso, junto à sociedade e internamente, na mobilização da força de trabalho da Caixa. Junto ao Congresso, precisamos deixar claro que o Brasil não pode aceitar essa onda irresponsável, especialmente diante de uma crise que exige o protagonismo do Estado. A pandemia do novo coronavírus desnudou as desigualdades e mostrou a necessidade de um modelo sustentável de desenvolvimento. Isso só pode ser feito sob a liderança do Estado e com a participação direta de instituições públicas capazes de estruturar políticas coordenadas de recuperação econômica e social, de geração de empregos e renda, de redução das desigualdades, de mobilização da sociedade. Também é de extrema importância lutar pela aprovação de dois projetos que tramitam no Congresso – o PL 2.715, que suspende as privatizações até 2022, por conta da crise pela pandemia do coronavírus, e o PL 3433, que exclui os bancos públicos federais e suas subsidiárias do Programa Nacional de Desestatização, determina que a privatização destas instituições dependerá de lei específica para cada caso e proíbe a venda de participações minoritárias da União e a transformação do BNDES em sociedade de economia mista. Tudo isso precisa ser dito à sociedade. Acho fundamental uma grande campanha de esclarecimento sobre a importância da Caixa e dos bancos públicos para o desenvolvimento econômico e social do país.

Aqui no Rio de Janeiro a APCEF/RJ é uma das entidades que não abre mão de lutar pela manutenção da Caixa 100% pública. Como o senhor avalia a importância e atuação das entidades representativas dos trabalhadores da Caixa e dos sindicatos para evitar a privatização do banco?
REIMONT – As entidades de classe são o coração das campanhas e da mobilização em defesa da Caixa. Isso é essencial tanto na mobilização dos trabalhadores e trabalhadoras da instituição, mas também no diálogo com o Congresso e com a sociedade. Essa organização da luta será decisiva para o sucesso do movimento em defesa da Caixa.

Na condição de vereador, de que forma o senhor apoia e pode ajudar na luta em defesa da Caixa 100%?
REIMONT –
Sou bancário, licenciado do Banco do Brasil, e sempre militei em defesa dos bancos públicos; fui do Sindicato dos Bancários de Belo Horizonte. Então, essa é uma luta antiga, na minha vida. Como vereador, desde 2015, quando os sinais do golpe ficaram mais fortes, ecoando a agenda econômica ultraliberal, o nosso mandato compreendeu que era necessário intensificar essa luta. No dia 3 de março daquele ano, criei a Frente Parlamentar em Defesa da Caixa 100% Pública, da qual fui presidente. Já em 2017, decidi ampliar a frente, que passou a se chamar Frente Parlamentar em Defesa da Caixa e do Banco do Brasil. Agora, no isolamento, estamos na militância virtual. No último dia 6 de agosto, fizemos uma reunião remota da Frente, em defesa da Caixa e dos seus trabalhadores, ameaçados pela Covid-19, pela irresponsabilidade da atual gestão e pela privatização. A Câmara dos Vereadores pode e deve ecoar as questões do país. A cidade não é uma ilha alheia e desvinculada dos problemas nacionais. O que acontece no Brasil afeta diretamente o município. Portanto, é preciso envolver cada cidadã e cidadão da cidade na defesa dos interesses não só locais, mas do país. Essa é a nossa luta. 

Se o governo Bolsonaro conseguir sucesso e a MP 995 venha virar lei, qual camada da sociedade será mais atingida e por quê?
REIMONT –
Claro que o segmento mais prejudicado será o dos mais empobrecidos, dos mais necessitados. Em qualquer situação de perda de direitos, esse segmento é sempre o mais afetado. Mas, no caso da privatização da Caixa, entendendo que a sociedade, como um todo, sairá perdendo. Neste momento, em que o Brasil enfrenta a mais grave crise sanitária, econômica, social e humanitária da sua História, precisamos fortalecer os bancos públicos, como motores de recuperação e desenvolvimento econômico e social, fornecendo crédito a juros mais baixos, financiando moradias, agricultura, grandes, pequenas e empresas e setores informais, entre outros. Não por acaso, as medidas adotadas até agora de estímulo à economia envolvem principalmente as instituições públicas e, em especial, a Caixa, que é fundamental para a geração de empregos, porque não visa ao lucro e pode oferecer crédito barato. Não vamos esquecer que foi a política de juros dos bancos públicos, adotada pelo governo Lula, em 2008, que ajudou a segurar os efeitos da então crise financeira internacional.

Considerando os riscos que a Caixa corre de ser privatizada, qual a mensagem o senhor registra aos empregados e à sociedade brasileira?
REIMONT –
A defesa da Caixa é a defesa do Brasil, dos empregos daqueles que nela trabalham, mas também dos gerados pela atuação da instituição. Sem a Caixa 100% pública, o Brasil ficará menor, mais frágil, mais vulnerável. No ano passado, a Caixa teve um lucro líquido de R$ 21,1 bilhões. Portanto, só quem lucrará com a privatização será o sistema financeiro nacional e internacional, que receberá de presente uma empresa estruturada em todo o território nacional e que gera, anualmente, muitos bilhões de reais. Mas quem irá pagar essa conta será a sociedade brasileira, e a conta virá com juros altos e correção monetária, como é a prática dos bancos privados. É preciso reagir rápido e de maneira firme.

Compartilhe