03/06/2020 17:53

Caixa, privatização e críticas ao governo são alguns pontos abordados por Maria Fernanda, ex-presidente do banco, em entrevista à APCEF/RJ

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Maria Fernanda Coelho é pernambucana e formada em Jornalismo. Empregada da Caixa desde 1984. Assumiu, em 2003, a Superintendência Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social do banco. No ano de 2006, durante o governo Lula, foi a primeira mulher a presidir a Caixa – de março de 2006 até 24 de março de 2011 –, onde implantou programas como o “Minha Casa, Minha Vida” e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Na entrevista, Maria Fernanda falou sobre a sua gestão, as ameaças de privatização, impacto do atual governo na instituição e muito mais. Confira. 

APCEF/RJ - Considerando a sua condição de empregada concursada, como foi a experiência em presidir o maior banco público da América Latina? 
Maria Fernanda
– Foi ter a oportunidade de ver traduzida em ações o que nos leva a permanecer na luta em defesa da Caixa como banco 100% público:  fomentar o desenvolvimento econômico através da ampla oferta de financiamento do investimento e do crédito, reduzir as desigualdades regionais, fazer a inclusão bancária, dar melhores condições de vida à população e democratizar o acesso ao crédito.  

Quais foram os principais avanços da Caixa em sua gestão? 
Maria Fernanda –
Jorge Mattoso presidiu a Caixa de 2003 a 2006, nós estivemos no segundo mandato do presidente Lula. Muitas de nossas ações foram continuidade aos avanços e decisões tomadas naquele momento. Posso ressaltar a valorização dos empregados e uma das decisões mais importantes foi a reversão da terceirização, implantada em 1990. Em 2003, tínhamos mais de 27 mil postos terceirizados e 57 mil empregados. Em 2010, passamos de 83 mil empregados. Os últimos terceirizados foram desligados em 2009. Foi entregue a primeira agência Barco, Ag. Chico Mendes; cumprimos a meta de 1 milhão de moradias contratadas no programa Minha Casa Minha Vida, lançado em 2009; além, é claro, do crescimento nos ativos totais e lucro líquido da Caixa.  

Ao olhar para trás, o que acredita que poderia ter feito na Caixa e não fez? Por que não fez? 
Maria Fernanda –
Decisões são tomadas considerando a estratégia definida e as condições objetivas que enfrentamos. Sempre houve oposição ferrenha contra todas as iniciativas tomadas, dentro e fora da Caixa, por parte dos que defendem com afinco o neoliberalismo, a privatização e que hoje comandam o país.  Em que pese termos tido um enorme programa de formação e capacitação, totalizando 137 horas anuais por empregado por meio da Universidade Caixa, poderíamos ter aprofundado mais acerca das questões que levassem a uma consciência maior sobre as mazelas de nossa sociedade, a desigualdade abissal, o racismo e o machismo.  

A Caixa teve o seu papel social fortalecido a partir de 2003. Principalmente nesse sentido, a gestão de Pedro Guimarães não para de dar pedaladas para trás. O que fazer para frear a política de enfraquecimento e retrocesso imposta atualmente na Caixa? 
Maria Fernanda –
Os empregados, sindicatos, associações tem um papel muito importante na defesa da instituição 100% pública. Só com muito diálogo e mobilização será possível impedir o projeto de Paulo Guedes e Pedro Guimarães de privatizar a instituição, agora com nova roupagem, diferente da proposta em 2002. “Desalavancar” e “fatiamento” são novos nomes que ambos usam para o mesmo fim, privatizar a empresa.  

Em sua gestão, a Caixa avançou investindo em tecnologia e na qualificação do pessoal. De 2016 para cá, o que se vê é uma incansável busca pela desvalorização do corpo de empregados. Como vê isso? 
Maria Fernanda –
Bem lembrado o investimento em TI. Junto com o corpo funcional, construímos um dos maiores parques de TI da América Latina, com uso intensivo de softwares livres, sendo o principal projeto o de internalização das loterias, sucesso absoluto. Esta desvalorização que você cita faz parte da estratégia de privatização, sem dúvida alguma. O sucateamento, a desqualificação do corpo de empregados, retiradas de função sem qualquer critério técnico, a perseguição, remanejamentos entre unidades como punição, são armas utilizadas para frear movimentos de resistência, com claro objetivo de gerar medo, paranoia e insegurança.  

Considerando a conjuntura atual, qual a importância das entidades representativas dos empregados da Caixa – principalmente Fenae, sindicatos e APCEFs – na luta pela manutenção da Caixa 100% e defesa dos direitos dos empregados? 
Maria Fernanda –
As entidades estão na linha de frente na resistência, organizando congressos, debates, reuniões e mobilizações para impedir a privatização. São nestes fóruns que os empregados podem organizar a luta pela Caixa 100% pública.   

Quais são as principais diferenças entre a Caixa de sua gestão e a Caixa de hoje que mais impactam na vida da população? 
Maria Fernanda –
São projetos completamente distintos. Enquanto na crise de 2008 foi criado o programa Minha Casa Minha Vida, com prioridade para os que ganham até 3 salários mínimos, foram aportados recursos para o PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, para saneamento e infraestrutura, Bolsonaro e Guedes deixaram claro, na reunião do dia 22 de abril, com todos os ministros, que não trazem uma única palavra de alento ou esperança para o povo. Ao contrário, para Guedes, a proposta é “nós desalavancamos banco público”, “não vai perder dinheiro salvando empresas pequenininhas” e para Guimarães, “não tem essa frescurada de home office”. No meio de uma pandemia, todos os países do mundo focados em defender o povo, retomar os investimentos, essa é a visão do governo Bolsonaro.  

O governo Bolsonaro não esconde sua cega linha privatista. O que fazer para impedir que a Caixa seja atingida e o que significaria a sua privatização? 
Maria Fernanda –
Não há como termos retomada. O PIB caiu 1,5% no primeiro trimestre, e olha que não há ainda o impacto da pandemia! Já se projeta queda superior a 7% para 2020, sem políticas públicas que busquem reduzir as desigualdades sociais, sem crédito para as empresas e para as famílias.  A privatização significa abdicar do futuro. 

A atuação da Caixa nessa crise causada pela COVID-19 vem mostrando sua importância social. Tal fato pode vir a enfraquecer o desejo do governo em privatizar o banco? Por quê? 
Maria Fernanda –
Infelizmente, duvido que enfraqueça.  Para mim, isso ficou claro na reunião do dia 22 de abril, no meio da pandemia do COVID-19. A fala de Guedes e do presidente do Banco do Brasil não deixam margem de dúvida. No final da reunião, Guedes pede para Rubem Novaes “confessar seu sonho”, que responde: “em relação a privatização... o Banco do Brasil estaria pronto para um programa de privatização”.   

Como você avalia a dedicação e comprometimento dos trabalhadores da Caixa diante da situação de calamidade pública atual? 
Maria Fernanda –
A dedicação, a competência e o espírito público tem o reconhecimento do povo brasileiro, de todos nós. Fazem a diferença na vida das pessoas mais pobres. Além disso, os empregados e aposentados tem participado de diversas ações solidárias junto com a sociedade civil organizada e os movimentos sociais. Há uma grande rede solidária sendo construída em dias tão tristes e violentos.  

Qual mensagem você deixa aos empregados da Caixa? 
Maria Fernanda –
Ninguém se salva sozinho, ninguém. Vou fazer uso das palavras do Papa Francisco: “Uma emergência como a Covid-19 derrota-se antes de tudo com os anticorpos da solidariedade”.  Estamos juntos, contem comigo, espero que em meio a tanto sofrimento e perplexidade sejamos portadores da esperança.  Muito obrigada.  

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