24/09/2010 10:46
JUÍZ ANULA CLÁUSULA QUE OBRIGAVA EMPREGADOS A DESISTIR DE AÇÕES PARA FAZER SALDAMENTO
Acesse as redes da Apcef/RJ:
Juiz considera nula a clausula 7ª do SALDAMENTO que obrigava os empregados da caixa a desistir das ações em andamento para mudar de planos da FUNCEF.
E manda notificar, através de liminar, a CAIXA e a FUNCEF para reabrir o saldamento dentro de 40 dias.
Mesmo cabendo recurso da sentença, a liminar deve ser cumprida.
Quem não tiver paciência para ler tudo, leia apenas a parte final.
Quem quiser se aprofundar, leia a sentença na integra.
SENTENÇA
I – RELATÓRIO
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO ajuizou ação civil pública em face de FUNCEF – FUNDAÇÃO DOS ECONOMIÁRIOS FEDERAIS e CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF, na qual alegou que a primeira reclamada criou um novo plano de previdência complementar para os empregados e aposentados da segunda reclamada. Aduziu que para ingresso no novo plano os interessados deveriam aderir a um “saldamento”, no qual registravam a desistência de ações em desfavor das rés. Afirmou que o plano não compreende qualquer tipo de transação, em especial para aqueles que se aposentaram até agosto de 1999, e que a cláusula de desistência de ações não é suficientemente clara. Asseverou que a conduta das reclamadas é discriminatória em relação àqueles que possuem ações trabalhistas contra as rés. Requereu que as rés fossem condenadas a não mais exigir a desistência de ações ou a renúncia de direitos como requisito para adesão ao “saldamento” do plano de previdência complementar, que fosse prorrogado o prazo para adesão ao plano, que fosse declarada nula a cláusula de renúncia e desistência das adesões já feitas, entre outros pedidos acessórios. Formulou pedido de decisão liminar. Juntou documentos e deu à causa o valor de R$100.000,00.
A ação foi proposta perante a Justiça do Trabalho da 22a Região (Piauí), sendo distribuída à 2a Vara do Trabalho de Teresina. O MM. Juiz daquela Vara deferiu o pedido de decisão liminar (fls. 235/238), declarando a nulidade da cláusula de desistência/renúncia contida no “saldamento”, determinando que as rés se abstivessem de exigir tal adesão para adesão dos novos interessados, e ainda, prorrogando o período de adesão.
As reclamadas foram regularmente citadas pela via postal. A primeira reclamada apresentou contestação às fls. 254/408. Alegou em sua contestação que em razão de alterações legislativas promoveu alterações no plano denominado de REG/REPLAN, e que para adesão ao Novo Plano criou um termo de saldamento; que as cláusulas criadas passaram pelas exigências da Lei Complementar n. 109/01, e por vários órgãos diretivos e deliberativos, além de debate e plebiscito eletrônico, que os empregados e aposentados buscam inclusão de parcelas no plano de previdência complementar que não foram objeto de custeio específico, que o Novo Plano é mais interessante para os empregados e aposentados, que a adesão ao Novo Plano é facultativa, que a reclamada é uma instituição de previdência complementar, de caráter fechado e sem fins lucrativos e que por isso não objetiva lesar os seus participantes; que houve transparência no procedimento de aprovação do Novo Plano, bem como no procedimento de adesão, levando à adesão de mais de 34.000 participantes; que as reclamadas submeteriam à homologação do Poder Judiciário o termo de adesão, que a Justiça do Trabalho é incompetente para apreciação da lide, que o Ministério Público não tem legitimidade para atuar na defesa de interesses individuais homogêneos disponíveis, que não haveria interesse processual, por ser competente para apreciar o feito a Justiça do Distrito Federal; que a Lei da Ação Civil Pública veda a sua aplicação a litígios que envolvam fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados; que não há interesse processual, que deve ser aplicado o entendimento da Súmula 51 do c. TST, que a adesão ao “saldamento” constitui efetiva transação, sem qualquer vício de vontade, que toda majoração nos valores de complementação de aposentadoria demandam específica fonte de custeio; entre outras alegações.
A segunda reclamada apresentou sua contestação às fls. 409/418, na qual arguiu a incompetência material da Justiça do Trabalho para apreciar a lide, a incompetência funcional das Varas do Trabalho de Teresina/Piauí, que o Ministério Público do Trabalho pretende a aplicação da teoria da acumulação, que a Súmula 51/TST determina a aplicação da teoria do conglobamento, que a adesão ao Novo Plano de complementação de aposentadoria é facultativa, que o termo de adesão trata com especificidade das ações judiciais que serão prejudicadas pela adesão, que todo benefício de complementação de aposentadoria demanda específica fonte de custeio, entre outras alegações.
Realizada audiência inaugural (fl. 422), foram apresentadas as contestações citadas. As partes declararam que não tinham interesse em produzir outras provas.
O Ministério Público do Trabalho apresentou memorial às fls. 427/436. A primeira reclamada apresentou seu memorial ás fls. 448/455 e a segunda reclamada às fls. 456/471.
Foi proferida sentença extinguindo o processo com resolução de mérito (fls. 474/490), julgando procedentes os pedidos do autor. Da decisão foram interpostos embargos de declaração por ambas as reclamadas (fls. 494/509). Antes do julgamento dos embargos de declaração, a primeira reclamada apresentou petição na qual alegou que em mandado de segurança obteve decisão que suspendeu os efeitos da decisão liminar proferida na ação trabalhista (fls. 554/560). Os embargos de declaração foram conhecidos e rejeitados conforme a decisão de fls. 568/577.
As reclamadas recorreram das decisões mediante recursos ordinários (fls. 585/617 e 619/664). Os recursos ordinários foram providos, para declarar a incompetência funcional da Vara do Trabalho de Teresina, e declinar a competência para processar a ação à Justiça do Trabalho de Brasília/DF (fls. 696/699). Não houve recurso de tal decisão.
Encaminhados os autos para a Justiça do Trabalho de Brasília/DF, o processo foi distribuído à MM. 16a Vara do Trabalho da Capital (fl. 709).
Realizada nova audiência inaugural (fl. 721/722), compareceram as partes. O autor ratificou os termos da peça de ingresso. A primeira reclamada apresentou contestação (fls. 723/764) e documentos complementares. A segunda reclamada acrescentou à sua contestação a arguição de coisa julgada, decorrente de decisão proferida no processo 1086-2008-005-10-00.
O autor manifestou-se sobre as alegações e documentos adicionais apresentados pelas rés, conforme petição de fls. 850/880.
Realizada audiência de instrução, foi juntado um documento pela primeira reclamada, em relação ao qual manifestou-se o autor na própria audiência (fls. 883/885). Não foram produzidas outras provas, encerrando-se a instrução processual.
Infrutíferas as tentativas conciliatórias.
É o relatório.
II – FUNDAMENTAÇÃO
A – INCOMPETÊNCIA MATERIAL ABSOLUTA
As reclamadas arguiram a incompetência material absoluta da Justiça do Trabalho. Aduziram que a complementação de aposentadoria, e consequentemente as cláusulas do termo de saldamento e adesão ao novo plano de complementação, se inserem dentro de relação civil-comercial estabelecida entre os empregados da CEF e a instituição de previdência privada. Entendem as Rés que tal questão não tem nenhuma relação com o contrato de trabalho, sendo que a Constituição Federal prevê que a complementação de aposentadoria não integra o contrato de trabalho. Aduzem que a adesão ao plano de previdência complementar é facultativa. Alegam jurisprudência.
Sem razão as reclamadas.
A Constituição Federal, ao tratar dos planos de previdência complementar de natureza fechada, dispõe que eles não integram o contrato de trabalho tão somente como forma de estimular a sua criação pelo empregador. Conforme explica Maurício Godinho Delgado (Curso de Direito do Trabalho. 4a. ed. São Paulo: LTR, 2005), a lei ou as normas coletivas de trabalho podem esterilizar a natureza salarial de uma parcela trabalhista, a despeito de, em essência, tal verba ter natureza intimamente relacionada à contraprestação de serviços (é o que ocorre, por exemplo, com a alimentação ao empregado instituída dentro do PAT – Programa de Alimentação ao Trabalhador).
Nesse diapasão, é inequívoco que as contribuições de aposentadoria privada em sistemas fechados, ainda que extinto o contrato de trabalho, se vinculam à prestação de serviços. A causa de pedir está inexoravelmente ligada à relação de emprego, uma vez que as contribuições teriam sido feitas em folha de pagamento, ao longo do contrato e com custeio parcial pelo empregador. Aliás, a segunda reclamada (CEF) é notoriamente a principal patrocinadora da fundação de previdência complementar, primeira ré. Atraída, portanto, a competência desta Justiça Especializada, a teor do art. 114, I, CF/88.
É irrelevante que a adesão ao Plano de Previdência Privada seja facultativa. Não é a obrigatoriedade de uma parcela do contrato de trabalho que a vincula à competência da Justiça Trabalhista, mas, repita-se, o fato de a parcela ser oriunda do pacto laboral. Por exemplo, se o empregador oferece um benefício como seguro de vida aos seus empregados, de adesão facultativa, as eventuais divergências que surjam dessa parcela deverão ser dirimidas na Justiça Especializada Trabalhista.
É da mesma sorte irrevelante que para a resolução do litígio tenha o julgador que se remeter a norma de direito civil. Inicialmente, cumpre dizer, a Justiça do Trabalho não é a Justiça da CLT. Há muito se percebeu que na resolução de questões variadas, como danos morais, acidente de trabalho, direito de imagem do trabalhador, etc, a referência a normas que ultrapassam o direito trabalhista é necessária. Mais ainda, sabe-se que a distinção do direito em ramos tem finalidade prática, ontológica, mas deontologicamente não há necessariamente uma essência que possa distinguir, em todos os casos, a fronteira existente entre tais ramos.
Não há se confundir, por outro lado, a pretensão de revisão de normas de recebimentos de complementação de aposentadoria, em face de entidade privada e fechada de previdência, criada em decorrência do contrato de trabalho, mantida pelo empregador, com pedido em sistemas abertos de previdência ou mesmo da previdência oficial, os quais, decerto, não guardariam relação com o trabalho prestado e não seriam de competência desta especializada.
A Suprema Corte brasileira, em vários julgados dos últimos 12 (doze) meses, confirmou que a competência para julgar ação cujo objeto é complementação de aposentadoria é da Justiça do Trabalho, desde que o benefício seja decorrente do contrato de trabalho, assim considerado como aquele custeado ao longo do contrato de trabalho, por empregado e empregador e assim inexoravelmente ligado ao pacto empregatício. Vale dizer, é justamente a hipótese dos autos. É o que se demonstra com a transcrição dos seguintes julgados (os grifos são deste Juízo):
“EMENTA: CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. ALEGADO VÍNCULO TRABALHISTA, APTO A ATRAIR A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 279 E 454 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende que à Justiça comum compete o julgamento do pedido de complementação de aposentadoria dirigido contra entidade de previdência privada, quando não decorrer essa complementação de contrato de trabalho. 2. Para se chegar a conclusão diversa da adotada pela Corte de origem, são necessários o reexame do conjunto fático-probatório dos autos e a interpretação de cláusulas contratuais. Incidência das Súmulas 279 e 454 do Supremo Tribunal Federal. Precedentes. 3. Agravo regimental desprovido” (Processo AI 734135 AgR / RS - RIO GRANDE DO SUL, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Julgamento: 19/05/2009, Órgão Julgador: Primeira Turma, Publicação DJe-113 DIVULG 18-06-2009 PUBLIC 19-06-2009).
“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRABALHISTA. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL DE ACORDO COLETIVO. CONTROVÉRSIA INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA CONSTITUCIONAL INDIRETA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 454 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal firmou-se no sentido de que compete à Justiça do Trabalho o julgamento das questões relativas à complementação de aposentadoria quando decorrentes de contrato de trabalho. 2. A interpretação de cláusula contratual de acordo coletivo não viabiliza o recurso extraordinário: Súmula 454 do Supremo Tribunal Federal. 3. Imposição de multa de 5% do valor corrigido da causa. Aplicação do art. 557, § 2º, c/c arts. 14, inc. II e III, e 17, inc. VII, do Código de Processo Civil” (Processo AI 653363 AgR / PA – PARÁ, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Julgamento: 17/03/2009, Órgão Julgador: Primeira Turma, Publicação DJe-071 DIVULG 16-04-2009 PUBLIC 17-04-2009).
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. PORTARIA N. 966/47. COMPETÊNCIA. REEXAME DE PROVAS E DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. IMPOSSIBILIDADE EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1. Compete à Justiça do Trabalho o julgamento de controvérsia relativa à complementação de aposentadoria paga pelo Banco do Brasil a seus ex-empregados, com fundamento na Portaria n. 966/47. 2. Reexame de fatos e provas e de cláusulas de contrato. Inviabilidade do recurso extraordinário. Súmulas ns. 279 e 454 do Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental a que se nega provimento” (Processo RE 590072 AgR / DF - DISTRITO FEDERAL, Relator(a): Min. EROS GRAU, Julgamento: 16/12/2008, Órgão Julgador: Segunda Turma, Publicação DJe-038 DIVULG 26-02-2009 PUBLIC 27-02-2009).
Frise-se que por força da ampliação de competência da Justiça do Trabalho, todas as questões decorrentes da relação de trabalho, inclusive aquelas anteriormente objeto da Justiça Comum, como as questões sindicais e de fiscalização administrativa, foram atraídas para a Justiça Laboral. Ora, se até as lides que discutem as multas impostas pelas autoridades administrativas do trabalho são competência desta Justiça Especializada, mais se dirá das lides cujo objeto é a discussão dos efeitos de adesão ao novo plano de previdência complementar.
Rejeito a argüição de incompetência material.
B – ILEGITIMIDADE ATIVA
A primeira ré arguiu a ilegitimidade ativa do Ministério Público do Trabalho. Aduziu que o Ministério Público tem legitimidade para propor a ação civil pública para a tutela de direitos difusos e coletivos, mas não para a defesa de direitos individuais homogêneos disponíveis, conforme artigos 81 do CDC (Código de Defesa do Consumidor) e 127 da CF (Constituição Federal). Asseverou que a tutela pretendida não abrange toda a categoria profissional, mas apenas uma parte dos trabalhadores, sendo possível a identificação individual de cada trabalhador interessado. Alegou que o interesse não é coletivo, havendo possibilidade inclusive de prejuízo de parte dos trabalhadores em razão de eventual julgamento de procedência dos pedidos do autor.
O pedido principal do Ministério Público do Trabalho é de declaração de nulidade de cláusula do termo de adesão ao “Novo Plano” de previdência complementar mantido pela primeira reclamada. Esse termo de adesão aplicar-se-ia tanto aos empregados da segunda reclamada ainda na ativa, como aos já aposentados. A declaração abrangeria tanto aqueles que já aderiram ao novo ajuste, como aqueles que não aderiram. A justificativa apresentada pelo parquet quanto à abrangência da declaração, sob o aspecto subjetivo, ou seja, sob o aspecto de quem seria beneficiado pela declaração de nulidade, é de que não seria possível, a partir da cláusula do termo de “saldamento”, verificar a amplitude da renúncia de direitos e desistência de ações, mormente considerando a peculiaridade de cada associado ao Plano, ou seja, que a cláusula seria genérica, e que assim, todos os associados deveriam ser beneficiados pela declaração de nulidade.
Entendo que o pedido do autor, ao contrário do que alega a primeira reclamada, envolve direito transindividual, mais especificamente coletivo.
Com efeito, os direitos transindividuais podem ser classificados em difusos ou coletivos. Difusos são os direitos que ligam entre si pessoas unidas por circunstâncias estritamente fáticas, mas que não podem ser determinadas. Coletivos são os direitos que ligam pessoas que podem ser identificadas, e que ao invés de uma união de caráter fático, têm entre si uma relação jurídica base, pertencendo a um mesmo grupo, classe ou categoria. Como explica o processualista Carlos Henrique Bezerra Leite, os interesses difusos e coletivos “têm em comum a indivisibilidade, pois eventual lesão a esses interesses atinge indistintamente a todos os seus possíveis titulares, porquanto esse bem jurídico tutelado pelo ordenamento jurídico não comporta fragmentação” (Curso de Direito Processual do Trabalho. 3a ed. São Paulo: LTR, 2005. pp. 243).
In casu, o interesse tutelado, na forma como é exposto pelas partes, abrange um rol de pessoas identificável, a saber, os empregados e aposentados associados ao Plano de Previdência da primeira ré. Todos são ligados entre si por essa relação jurídica que mantêm com a instituição de previdência complementar e que mantêm ou mantiveram com a empregadora CEF. Da mesma sorte, a declaração de nulidade de termo de adesão ao novo plano de previdência complementar abrange todos os associados da primeira reclamada, indistintamente, seja porque o plano de previdência complementar é custeado não somente pela segunda ré, mas também pelos empregados e aposentados, que sofrem os prejuízos e lucros auferidos pela instituição de previdência complementar, seja porque não é possível distinguir, a priori, quem seriam os empregados e aposentados que teriam ações ou direitos que sejam prejudicados pela cláusula de desistência e renúncia prevista no termo de “saldamento”. A abrangência de tal declaração necessariamente deveria se estender a toda a coletividade de associados da primeira ré - sem prejuízo de que o empregado ou aposentado concretamente prejudicado postulasse em juízo eventual declaração de nulidade do termo a que aderiu.
Caso se cogitasse que os direitos tutelados na presente demanda são direitos individuais homogêneos, ainda assim haveria a legitimidade ativa do Ministério Público.
Em primeiro lugar, verifica-se que a defesa dos direitos individuais homogêneos por meio de ação civil pública é prevista no artigo 81, III, do CDC. Em seguida, o artigo 82 do mesmo diploma legal apresenta o rol dos legitimados a fazer tal defesa, com referência óbvia e lógica ao artigo 81, e instituindo como primeiro legitimado o Ministério Público. O legislador demonstrou toda a intenção de tutelar da forma mais efetiva os direitos individuais homogêneos, prevendo que “para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela” (art. 83).
No caso dos direitos individuais homogêneos, a atuação concentrada por intermédio da ação civil pública ou da ação civil coletiva é ainda mais importante pois, conforme explica o Procurador do Trabalho José Cláudio Monteiro de Brito Filho, quando a reparação de tais direitos se dava apenas na via da ação individual tradicional, isso servia como política de incentivo à lesão de direitos, já que o agressor, “no 'perde-ganha' das ações trabalhistas individuais, ainda obtinha vantagens em agir irregularmente, pois dificilmente era condenado à totalidade das verdas devidas em todas as ações” (in Ação Coletiva na Visão de Juízes e Procuradores do Trabalho. São Paulo: LTR, 2006. pp. 60).
Outrossim, mesmo se adotada a linha de raciocínio da primeira reclamada, verifica-se que no caso concreto o direito tutelado é de natureza trabalhista, pois oriundo da relação de emprego, ainda que marcado por peculiaridades, como envolver terceira pessoa (instituição de previdência complementar) e projetar seus efeitos para período posterior ao término do contrato de trabalho. Os direitos trabalhistas têm como uma de seus características a indisponibilidade, consubstaciada em várias normas, como o artigo 468 da CLT, o artigo 7, VI, da CF, etc. Ainda que a indisponibilidade possa ser mitigada em alguns casos, em que se permite a transação de direitos mediante a assistência sindical ou do Ministério Público, ela nunca é totalmente anulada.
Quando a questão envolve plano de previdência complementar, o caráter indisponível dos direitos, que não se confunde com a vedação a todo tipo de transação, exsurge mais nítido. Com efeito, a manutenção regular e sustentável de planos de previdência complementar interessa à Sociedade e ao Estado, evitando que pessoas busquem a assistência social pública, diminuindo os gastos do Estado. Permite ainda maior bem estar social e segurança, questões de interesse de toda a sociedade.
A jurisprudência do Excelso STF vem se consolidando no sentido de reconhecer a legitimidade do Ministério Público na defesa de direitos individuais homogêneos, conforme demonstra-se pela transcrição dos seguintes arestos (os grifos são deste juízo):
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA. MINISTÉRIO PÚBLICO. DEFESA DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. SÚMULA STF 286: INAPLICABILIDADE. 1. Desde o advento da Constituição Federal de 1988, não há mais falar em "recurso extraordinário fundado em divergência jurisprudencial", tendo em vista o contido no art. 102, III, e alíneas, da mesma Carta. Improcedência de aplicação da Súmula STF 286. 2. O Ministério Público detém legitimidade para propor ação civil pública na defesa de interesses individuais homogêneos (CF/88, arts. 127, § 1º, e 129, II e III). Precedente do Plenário: RE 163.231/SP, rel. Min. Carlos Velloso, DJ 29.06.2001. 3. Agravo regimental improvido”.(RE 514023 AgR / RJ, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE,
Julgamento: 04/12/2009, Órgão Julgador: Segunda Turma, Publicação DJe-022 DIVULG 04-02-2010)
Julgamento: 04/12/2009, Órgão Julgador: Segunda Turma, Publicação DJe-022 DIVULG 04-02-2010)
“DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS - SEGURADOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL - CERTIDÃO PARCIAL DE TEMPO DE SERVIÇO - RECUSA DA AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA - DIREITO DE PETIÇÃO E DIREITO DE OBTENÇÃO DE CERTIDÃO EM REPARTIÇÕES PÚBLICAS - PRERROGATIVAS JURÍDICAS DE ÍNDOLE EMINENTEMENTE CONSTITUCIONAL - EXISTÊNCIA DE RELEVANTE INTERESSE SOCIAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LEGITIMAÇÃO ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO - A FUNÇÃO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO "DEFENSOR DO POVO" (CF, ART, 129, II) - DOUTRINA - PRECEDENTES - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. - O direito à certidão traduz prerrogativa jurídica, de extração constitucional, destinada a viabilizar, em favor do indivíduo ou de uma determinada coletividade (como a dos segurados do sistema de previdência social), a defesa (individual ou coletiva) de direitos ou o esclarecimento de situações. - A injusta recusa estatal em fornecer certidões, não obstante presentes os pressupostos legitimadores dessa pretensão, autorizará a utilização de instrumentos processuais adequados, como o mandado de segurança ou a própria ação civil pública. - O Ministério Público tem legitimidade ativa para a defesa, em juízo, dos direitos e interesses individuais homogêneos, quando impregnados de relevante natureza social, como sucede com o direito de petição e o direito de obtenção de certidão em repartições públicas. Doutrina. Precedentes” (RE 472489 AgR /RS, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Julgamento: 29/04/2008, Órgão Julgador: Segunda Turma, Publicação DJe-162 DIVULG 28-08-2008).
Dessa feita, entendo que o MPT tem legitimidade para propor a ação civil pública sob análise, motivo pelo qual rejeito a preliminar relativa à sua ilegitimidade.
C – CABIMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA
A primeira reclamada arguiu preliminarmente o não cabimento da ação civil pública para a tutela pretendia pelo autor. Aduz que o artigo 1o da Lei 7347/85 prevê o não cabimento da ação civil pública nas ações que envolvam fundos de natureza institucional cujos beneficiários possam ser individualmente identificados.
Conforme já demonstrado no tópico anterior, na presente ação “não é possível distinguir, a priori, quem seriam os empregados e aposentados que teriam ações ou direitos que sejam prejudicados pela cláusula de desistência e renúncia prevista no termo de “saldamento””, e assim a abrangência da declaração judicial “necessariamente deveria se estender a toda a coletividade de associados da primeira ré - sem prejuízo de que o empregado ou aposentado concretamente prejudicado postulasse em juízo eventual declaração de nulidade do termo a que aderiu”.
Parece-nos ainda que a melhor interpretação da norma citada pela reclamada é de que a vedação à propositura da ação civil pública dirige-se a fundos de natureza institucional de caráter público ou similar, como o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador, etc), já que a norma os elenca ao lado dos tributos, do FGTS, e de questões da previdência oficial. In casu, ainda que haja relevância social na manutenção dos fundos de previdência complementar, eles são de natureza eminentemente privada.
Rejeito a prefacial.
D – COISA JULGADA
A segunda reclamada arguiu em sua contestação complementar a existência de coisa julgada, em razão de decisão de mérito proferida no processo 1068-2008-005-10-00.
A petição inicial do processo indicado foi juntada às fls. 800/835. Por ela, verifica-se que o Ministério Público do Trabalho ajuizou ação civil pública em desfavor da segunda reclamada. Em tal ação o MPT alegou que a CEF teria criado novo plano de cargos e salários, e que exigia dos empregados, quando da adesão ao novo plano, a desistência de ações judiciais, bem como exigia a adesão ao novo plano de previdência complementar da FUNCEF. Os pedidos foram julgados parcialmente procedentes, para, entre outras questões, declarar a nulidade da cláusula de renúncia a direitos ou ações, prevista como requisito para adesão ao novo Plano de Cargos e Salários (fl. 848).
Segundo o artigo 302, parágrafo 1o, do CPC, há litispendência ou coisa julgada “quando se reproduz ação anteriormente ajuizada”, assim considerada como aquela que “tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido” (parágrafo 2o).
Ainda que haja parcial identidade de partes entre esta ação e aquelas presentes no processo n. 1068-2008-005-10-00, não há identidade de causa de pedir e pedido. Com efeito, nesta ação pleiteia-se como pedido principal a declaração de nulidade de cláusula do termo de adesão ao “Novo Plano” de previdência complementar, a qual prevê a renúncia de ações e direitos em relação à FUNCEF. Na outra ação foi postulada a declaração de nulidade do termo de adesão ao novo Plano de Cargos e Salários da CEF, a qual previa a renúncia de ações e direitos em relação à CEF e seu plano de cargos e salários antigo.
Vale dizer, ainda que as duas cláusulas tenham como objeto a renúncia de ações ou direitos, tais renúncias e desistências tem foco e amplitudes diferentes, e beneficiam pessoas jurídicas diversas (CEF e FUNCEF). Há, quando muito, semelhança ou proximidade entre os pedidos, mas não a identidade entre eles.
Por conseguinte, rejeito a arguição de coisa julgada.
E – MÉRITO
1 - O Ministério Público do Trabalho ajuizou ação civil pública alegando, em breve síntese, que foi criado um novo regulamento do plano de previdência complementar, mantido pela primeira reclamada, que substituía o índice de correção da complementação de aposentadoria. Assim, o benefício pago, que antes era vinculado aos reajustes do pessoal da ativa, seria reajustado pelo INPC. Afirmou o MPT que foi feito um termo de “saldamento” para adesão dos associados ao novo plano de previdência complementar, e que uma das cláusulas do termo de saldamento seria a renúncia a direitos e desistências de ações judiciais relativas às regras do plano anterior (REG/REPLAN). Aduziu que somente os ex-empregados que aposentaram-se até 31/08/1999 receberiam uma indenização pela adesão ao novo plano. Entende o MPT que a cláusula não comporta transação, pois os ex-empregados que aposentaram-se depois de agosto de 1999 não receberiam qualquer indenização. Entende ainda que a cláusula de renúncia e desistência não é clara, trazendo prejuízos aos trabalhadores, que não sabem a sua real amplitude, podendo sofrer prejuízos quanto a ações individuais, como aquelas que versam sobre o auxílio-alimentação. Defende que a adesão é discriminatória, pois obriga os trabalhadores que possuem ação judicial a aceitar a desistência e renúncia. Por tais entendimentos o MPT postulou a declaração de nulidade da indigitada cláusula, com a reinstauração do período de adesão aos associados.
2 - O termo de adesão ao novo plano, que comporta uma espécie de “saldamento”, foi juntado às fls. 39/41. Por ele verifica-se que as regras do novo plano passariam a reger o benefício de complementação de aposentadoria, em especial quanto a reajuste dos benefícios, que se daria pelo INPC (cláusula terceira).
O termo prevê, em sua cláusula sexta, que pela adesão ao novo plano o empregado aposentado até 31/08/1999 receberia um valor indenizatório, e que concordaria com a “desistência das ações e renúncia ao direito sobre o qual se fundamentam, mediante pagamento de indenização”.
Na cláusula sétima há previsão de que a adesão ao novo plano importa em quitação em relação a “obrigação ou direito referente ao REG/REPLAN, nada mais havendo a reclamar uma parte à outra”. No parágrafo primeiro da cláusula sétima registra-se que como consequência da quitação, o assistido que tivesse ação judicial “que tenha por objeto a vinculação dos benefícios pagos pela FUNCEF à política salarial da Caixa, a inclusão de benefícios não previstos no REG/REPLAN, a vinculação aos proventos do órgão da Previdência Social, movidas contra a FUNCEF ou a Caixa” autorizaria a homologação judicial do termo, levando à extinção do processo.
3 – A adesão ao novo plano de previdência complementar é facultativa. Com a devida vênia, não é possível acolher a alegação do Ministério Público do Trabalho, no sentido de que os empregados e aposentados estariam sendo coagidos economicamente a aderir ao novo plano. O MPT alega isso, afirmando que pelo novo plano a correção do benefício de complementação de aposentadoria faz-se pelo INPC, enquanto que no plano anterior ele observa os mesmos aumentos dos salários dos trabalhadores. Ora, a opção quanto à forma de correção pelo INPC não é necessariamente melhor que a opção anterior de reajuste, mas apenas mais segura. A correção pelo INPC garante que a recomposição do benefício em face da inflação, mas nada mais que isso, enquanto que a correção pelos índices aplicados aos salários da ativa permite eventualmente o ganho real. No atual ano, por exemplo, pesquisas do DIEESE revelam que várias categorias profissionais tiveram ganhos reais de salário, o que é típico em períodos de crescimento econômico. Esta Magistrada, por exemplo, já julgou causas de aposentados de outras empresas públicas que queriam justamente a reversão do critério de reajuste da complementação de aposentadoria do INPC, para retornar ao critério de reajuste dos salários dos empregados da ativa.
4 - A documentação acostada aos autos pelas reclamadas revela também que a criação do novo regulamento do plano de complementação de aposentadoria foi precedida de consulta ampla aos associados.
5 - A primeira reclamada é uma instituição de previdência complementar, de caráter fechado, que não objetiva lucro. O fato de ser uma pessoa jurídica de caráter coletivo não permite concluir, entretanto, que sua vontade seja idêntica à vontade dos associados, até mesmo porque o número de associados é extenso, podendo existir entre eles divergência quanto aos rumos que deve a instituição adotar.
6 - Ainda que a adesão ao novo plano de previdência complementar seja facultativa, que da elaboração de suas regras tenham participado os trabalhadores, aposentados e órgãos governamentais de controle e fiscalização, e que a primeira reclamada não objetive lucro, as regras do termo de adesão ao “Novo Plano” devem observar ditames constitucionais e legais.
7 - Pois bem. Alega o Ministério Público que a primeira inobservância de dispositivos constitucionais teria sido a imposição aos associados no sentido de que renunciassem às ações e direitos em desfavor das rés para que pudessem aderir ao novo plano de previdência complementar. Entende o MPT que há tratamento discriminatório em relação àqueles que possuem ações ou direitos em desfavor das rés, mormente porque, tenham eles ou não uma ação judicial em desfavor das rés, receberiam o mesmo valor de indenização. Outrossim, alega o MPT que a regra de desistência e renúncia não é suficientemente clara, justamente a fim de favorecer as rés e abranger o maior número de ações possíveis.
Conforme transcrito acima, pelo termo de adesão ao novo plano de previdência complementar registrou-se que o associado renunciaria a ações e direitos em desfavor das rés. O pagamento de indenização, entretanto, não se vincularia à concreta existência dessas ações ou direitos, mas à data de aposentadoria do associado e ainda, a regras matemáticas estabelecidas para cálculo da indenização. Ou seja, empregados que tivessem ações em desfavor das rés receberiam o mesmo valor de indenização – se aposentados até agosto de 1999 – ou até mesmo não receberiam quaisquer valores – se aposentados depois de agosto de 1999 -, exatamente da mesma forma que os trabalhadores sem qualquer ação judicial proposta.
A Constituição Federal assegurou como princípio fundamental da República Brasileira a dignidade da pessoa humana (art. 1º). Estabeleceu que entre os objetivos da República brasileira estaria a eliminação de todas as formas de discriminação. Declarou que todos são iguais perante a lei, banindo inclusive o tratamento diverso em razão do gênero (art. 5, caput e inciso I). Coibiu especificamente todas as formas de discriminação no ambiente de trabalho, conforme o artigo 7º, XXX.
A Lei 9029/95 dispõe, em seu artigo primeiro, que no ambiente de trabalho é proibida a prática discriminatória por motivo de “sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade”.
A definição da discriminação não é das mais simples. Utilizo-me da excelente obra do Doutor em Direito e Procurador da República, Prof. Álvaro Ricardo de Souza Cruz, cujo título é “O Direito a Diferença - As ações afirmativas como mecanismo de inclusão social de mulheres, negros, homesexuais e portadoras de deficiência” (Belo Horizonte: Del Rey, 2005). Segundo o referido autor, a discriminação compreende todo tratamento diferenciado a uma pessoa ou grupo, podendo ser positiva/lícita ou negativa/ilícita.
Na discriminação lícita, o tratamento diferenciado se coaduna com a moral da sociedade, baseando-se em critérios objetivos e racionais. É o caso, por exemplo, das cotas em concursos públicos para deficientes físicos.
Na discriminação ilícita ou negativa, o tratamento diferenciado baseia-se em critérios subjetivos, irracionais, perversos, ofendendo os valores sociais de solidariedade, justiça, bondade.
Nesse sentido, questiona-se: qual é o fundamento para exigir dos empregados e aposentados a renúncia a ações e direitos em desfavor das reclamadas, como condição para adesão ao novo plano de previdência complementar? Poderia-se afirmar que a renúncia prévia seria válida, pois eles estariam sendo beneficiados pela adesão a um novo plano, que eventualmente poderia ter regras mais benéficas aos associados. Ora, se isso fosse certo, porque permitir o mesmo tratamento àqueles que não possuiam qualquer contestação de benefícios? Mais ainda, porque o pagamento de indenização não foi vinculado então à existência das ações, sendo que na verdade foi vinculado à data de aposentadoria?
Depreende-se que as reclamadas, quando do pagamento da indenização, estão efetivamente tratando de forma igual trabalhadores em situação totalmente diversa, o que ofende o princípio da isonomia. Da mesma sorte, ao exigir a renúncia de ações e direito como requisito para adesão ao plano de previdência complementar, mas permitindo sem qualquer outra exigência a adesão de empregados que não possuam ações em desfavor das rés, as reclamadas estão discriminando os trabalhadores que exerceram seu direito de acesso ao Poder Judiciário.
8 - Ao se afirmar que a exigência de renúncia prévia de ações é discriminatória e ofende ao princípio da isonomia, NÃO se pretende afirmar que os associados têm direito à aplicação simultânea dos dois planos de complementação de aposentadoria, e que seria inaplicável o entendimento da Súmula 51/TST. Quando da adesão do associado ao “Novo Plano” de complementação de aposentadoria, ele passará a observar as regras de tal novo plano. Ocorre que não é possível apagar todo seu histórico de contribuições feitas pelo plano antigo, até mesmo porque no momento da adesão esse histórico é utilizado para calcular a situação do associado e o valor da sua nova contribuição. Se, por exemplo, o empregado possui uma ação em que discute o valor da contribuição ou o valor do benefício anteriores à adesão, nada impede que tal ação seja julgada, com a redefinição desses parâmetros, os quais, posteriormente serão considerados para cálculo da contribuição e benefícios do “Novo Plano”. Repita-se: não haverá o recebimento de benefícios ou recolhimento de contribuições simultaneamente pelo plano novo e pelo plano antigo, mas os recolhimentos ou pagamentos já feitos pelo plano antigo impactam o novo plano, até mesmo porque a complementação de aposentadoria é fruto de uma relação jurídica continuada, construída ao longo dos anos.
9 – Caso se entenda que o tema da complementação de aposentadoria envolve direito relativamente disponível, seria possível exigir dos associados a desistência de ações anteriores e a renúncia de direitos envolvendo o plano antigo de complementação de aposentadoria, desde que a cláusula de renúncia e desistência fosse suficientemente clara e concreta, com a indicação de ações judiciais potenciais, e com a demonstração de ganhos relativamente proporcionais pelo associado, que caracterizassem a transação.
Para um grupo dos trabalhadores, que não receberam qualquer indenização com a adesão ao “novo plano”, é difícil demonstrar em que reside a “transação”, já que a renúncia de ações teria como contrapartida a mudança do índice de correção do benefício de complementação de aposentadoria, o que, conforme já demonstrado, não é necessariamente mais benéfico ao associado, mas apenas mais seguro. Aliás, a primeira reclamada explicitamente informa em sua contestação que a mudança do índice de correção se insere dentro de várias regras criadas no “Novo Plano”, e que objetivavam diminuir seu passivo previdenciário. A principal interessada na adesão ao “Novo Plano” é a primeira ré. Repita-se: onde reside a transação dos empregados que aderiram ao “Novo Plano”, não receberam qualquer indenização e tiveram que renunciar genericamente a ações judiciais e direitos em favor das rés? Não há, nesse caso, concessões mútuas a validar a cláusula de desistência de ações (art. 840, Código Civil).
Nem se diga, com a devida vênia, que a transação residiria no aumento do benefício recebido ou na possibilidade de receber parte da reserva existente, como alega a primeira ré, já que os mesmos direitos seriam assegurados aos associados que aderiram ao “novo plano” e que não tinham quaisquer ações ou direitos litigiosos com as reclamadas. Vale dizer, se associados com situações diversas foram tratados de igual forma, verifica-se que a questão da existência de ações e direitos pretéritos não foi efetivamente sopesada na “transação” feita, e não poderia fazer parte dela.
Outrossim, a cláusula de desistência de ações e renúncia de direitos deveria ser caracterizada pela maior clareza e concretude possíveis, com indicação de ações em potencial. Isso não ocorreu no termo de adesão ao “Novo Plano”. Com efeito, o termo de adesão é ambíguo nesse particular, pois inicialmente afirma que a adesão importa em renúncia de direitos e desistência de ações (no sentido geral) em desfavor das reclamadas, mas depois, em outra cláusula, especifica a desistência de ações ou direitos em relação a determinados temas. Essa ambiguidade é extremamente prejudicial aos associados e pode dificultar ou até mesmo impedir o exercício de direitos. A despeito da alegação das reclamadas, atinente à existência de acordos envolvendo o auxílio-alimentação (fls. 906/908), esta magistrada, por exemplo, já viu a segunda reclamada suscitar a renúncia em ação envolvendo o pagamento de auxílio-alimentação a aposentado que aderiu ao “Novo Plano”, questão que nem é de complementação de aposentadoria, mas apenas de pagamento de benefício contratual após o término do pacto laboral.
A ambiguidade da cláusula de desistência/renúncia fica evidente nas documentações e correspondências internas das reclamadas. Por exemplo, na mensagem eletrônica de fl. 188 deixa-se claro que as ações relativas a auxílio-alimentação não seria impactadas pela cláusula sob análise. A “circular” de fl. 157 já indica que o auxílio-alimentação seria impactado pela cláusula de desistência.
Aliás, entendendo-se que o termo de adesão ao plano de complementação de aposentadoria, por envolver cláusulas prontas e previamente estabelecidas pelas reclamadas, sem possibilidade de modificação pelo associados, assimila-se a um contrato de adesão, aplicável seria o artigo 424 do Código Civil, o qual dispõe que “nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio”. Daí porque as reclamadas ou não deveriam ter incluído a renúncia no termo, ou deveriam ter criado um campo específico no termo para preenchimento pelos associados e pelas reclamadas no momento da adesão, e que indicasse concretamente quais direitos estariam abrangidos pela renúncia ou desistência.
10 - Permitir a adesao ao plano de previdência privada sem a exigência prévia de renúncia a direitos ou a desistência de ações judiciais não importa em criação de benefício de complementação de aposentadoria sem a correspondente reserva pecuniária. A priori, sequer é possível afirmar que a declaração de nulidade da cláusula de desistência importará em aumento de valor dos benefícios de complementação de aposentadoria. O que se intenta preservar é o tratamento igualitário entre os associados e a clareza das cláusulas de adesão ao Novo Plano.
Ademais, se em alguma ação judicial for deferida parcela que importe em aumento do valor do benefício de complementação de aposentadoria, incumbe às reclamadas ali requerer que seja feito o devido recolhimento das contribuições (cotas do empregador e do empregado), e não na ação civil pública. A discussão há de ser realizada na via da ação trabalhista individual, e não mediante genérica renúncia a direitos e desistência de ações, feita no temro de adesão.
11 – Concluindo que as cláusulas de desistência de ação e renúncia de direitos são discriminatórias (art. 7, XXX, CF; art. 1, lei 9029/95), ofendem o princípio constitucional da isonomia (art. 5, caput e inciso I, CF), não observam o artigo 424 do Código Civil, não são fruto de efetiva transação (art. 840, Código Civil) e que a declaração de sua nulidade não caracteriza inobservância da Súmula 51/TST, entre outros argumentos, defiro o pedido do Ministério Público do Trabalho, e declaro a nulidade da cláusula sétima do “Termo de Adesão às Regras de Saldamento do REG/REPLAN” e Novação de Direitos Previdenciários”, relativo ao plano de complementação de aposentadoria mantido pela primeira reclamada e patrocinado pela segunda reclamada, e consequentemente, declaro a ineficácia dessa cláusula em relação às adesões já realizadas.
Em face da nulidade ora declarada, e a fim de preservar o direito dos associados que não aderiram ao “Novo Plano” por receio da cláusula citada, determino às reclamadas que restabeleçam o período de adesão ao novo plano, por um período de no mínimo 30 (trinta) dias, promovendo a regular publicidade do novo período de adesão perante os associados, mediante seus meios internos e/ou externos de comunicação.
12 - Formulou o autor pedido de decisão liminar em relação aos pedidos de declaração de nulidade de cláusula do termo de adesão e de prorrogação da adesão de associados ao novo plano de complementação de aposentadoria. Recebo o pedido como pretensão de tutela antecipada.
No tocante à tutela antecipada, ainda que em sede de sentença, o ordenamento jurídico-processual brasileiro exige a prova inequívoca, a verossimilhança da alegação, fundado receio de dano irreparável/de difícil reparação ou abuso de direito/manifestação protelatória do réu (arts. 273 e 461, CPC).
In casu, a verossimilhança da alegação da parte autora se confirmou no deferimento de seu pedido principal, conforme fundamentação supra.
Há receio de dano de difícil reparação. Com efeito, é possível que a ação perdure por inúmeros anos, caso as rés interponham recurso desta sentença. Durante esse período haveria a discussão sobre o efeito da cláusula de desistência em relação a ações judiciais e direitos, com o poder de intimidar os associados, que poderiam não postular em juízo eventuais direitos, que seriam posteriormente alcançados pela prescrição. Ademais, como o “Novo Plano” tem regras diferentes de recolhimento da contribuição e do pagamento do benefício de complementação de aposentadoria, aguardar o trânsito em julgado só iria ampliar ainda mais a diferença de tratamento entre os associados, agravando-a ao longo do tempo.
Outrossim, o risco de irreversibilidade da tutela é pequeno, pois se revertida a decisão poderá a primeira reclamada realizar os eventuais descontos daí decorrentes no pagamento da complementação de aposentadoria.
Dessa feita, defiro o pedido de tutela antecipada para declarar de imediato, independentemente de recurso, a nulidade da cláusula constante do termo de adesão no “Novo Plano” de complementação de aposentadoria mantido pela segunda reclamada e patrocinado pela primeira reclamada, relativa à renúncia de direitos e desistência de ações, inclusive quanto às adesões já realizadas. Da mesma sorte, determino às reclamadas que de imediato restabeleçam o período de adesão ao novo plano, por um período de no mínimo 30 (trinta) dias, promovendo a regular publicidade do novo período de adesão perante os associados, mediante seus meios internos e/ou externos de comunicação.
De termino ainda às rés que a obrigação de fazer seja cumprida, sob pena de multa diária de R$10.000,00 (dez mil reais), nos termos do artigo 461, parágrafo 4º, do CPC, sendo a multa reversível ao FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador). A fim de evitar qualquer dúvida no cumprimento da obrigação, concede-se às reclamadas o prazo de 40 (quarenta) dias para dar início ao novo período de adesão ao “novo plano” de complementação de aposentadoria. O prazo de 40 (quarenta) dias foi estabelecido observando a necessidade de as reclamadas divulgarem previamente entre os associados o restabelecimento do período de adesão.
III - CONCLUSÃO
ISSO POSTO, na Ação Civil Pública n. 377-70-2010-5-10-0016 proposta por MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO em face de FUNCEF – FUNDAÇÃO DOS ECONOMIÁRIOS FEDERAIS e CEF - CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, nos termos da fundamentação supra, que integra este dispositivo para todos os fins, rejeito as arguições de incompetência material absoluta, ilegitimidade ativa, não cabimento da ação civil pública e coisa julgada, e resolvo extinguir o processo com resolução de mérito (art. 269, I, CPC) para julgar PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados pela parte autora e:
1) declarar a nulidade da cláusula sétima do “Termo de Adesão às Regras de Saldamento do REG/REPLAN” e Novação de Direitos Previdenciários”, relativo ao plano de complementação de aposentadoria mantido pela primeira reclamada e patrocinado pela segunda reclamada;
2) declarar a ineficácia da cláusula citada acima, em relação às adesões já realizadas até a prolação da presente sentença;
3) condenar as reclamadas a cumprir obrigação de fazer, no sentido de restabelecer o período de adesão ao “Novo plano” de complementação de aposentadoria, por um período de no mínimo 30 (trinta) dias, promovendo a regular publicidade do novo período de adesão perante os associados, mediante seus meios internos e/ou externos de comunicação.
Os provimentos constantes dos itens “1” a “3” deste dispositivo foram objeto de tutela antecipada e deverão ser cumpridos/observados independemente do trânsito em julgado desta decisão. No tocante à obrigação do item “3” deste dispositivo, determina-se às rés que a obrigação de fazer seja cumprida, sob pena de multa diária de R$10.000,00 (dez mil reais), nos termos do artigo 461, parágrafo 4º, do CPC, reversível ao FAT. A fim de evitar qualquer dúvida no cumprimento da obrigação, concede-se às reclamadas o prazo de 40 (quarenta) dias para dar início ao novo período de adesão ao “novo plano” de complementação de aposentadoria, período em que as reclamadas deverão divulgar entre os associados o restabelecimento do período de adesão.
Custas pelas reclamadas no valor de R$2.000,00 (dois mil reais), atribuídas proporcionalmente ao valor conferido à condenação (R$100.000,00 – cem mil reais).
Intimem-se as reclamadas por mandado, considerando a necessidade/oportunidade de intimação pessoal da tutela antecipada com previsão de multa por descumprimento da obrigação de fazer. Decorrido o prazo recursal das reclamadas, intime-se o autor mediante o encaminhamento dos autos.
Nada mais.
Audiência encerrada às 18:00horas.
AUDREY CHOUCAIR VAZ
JUÍZA DO TRABALHO SUBSTITUTA